O Navegador de Sonhos

A brisa úmida e a areia molhada eram familiares, como o eram as ondas e o sol ameno. Caminhando devagar, expectante, Daniel aguardava um velho conhecido. E de repente, vindo do horizonte, lá estava ele.

Era o mais lindo navio que alguém já tinha visto. Como um galeão antigo, com velas impossivelmente brancas, aproximando-se rápido da praia - rápido demais para um navio de verdade. Em pouco tempo estava tão próximo que era possível perceber detalhes do casco e do cordame. Sólido e imponente, parecia capaz de enfrentar tempestades e mares desconhecidos com a mesma facilidade com que permanecia ali parado.

Curiosamente, estava vazio. Até onde era possível ver, não havia uma tripulação; ninguém no leme, ninguém na popa ou na proa. Vazio. Como se tivesse chegado àquela praia por si mesmo, em busca de alguém que o comandasse.

E Daniel sentia que era por ele que aquele navio procurava. Parado sobre a areia, sentia que bastava nadar até ele, nadar menos de uma centena de metros, para tornar-se seu senhor e conhecer seus rumos. Por um momento, acreditou que realmente poderia fazê-lo.

Mas, no momento seguinte, duvidou. Um vendaval de pensamentos confusos surgiu em sua cabeça, e a paisagem começou a perder a nitidez, um quadro de cera subitamente derretendo, até que sumiu por completo. A última coisa a desaparecer foi o navio, insistindo em navegar num mar que já não estava lá. Por fim, restava apenas um quarto fechado.

Não era a primeira vez que isso acontecia. Correndo entre a decoração insípida dos corredores da empresa, Daniel não pode deixar de recordar o sonho, que agora se repetia quase todas as noites, e o modo pelo qual ele invariavelmente terminava. Ao chegar à sua sala, ficou parado um bom tempo em frente ao único quadro na parede: uma pintura de um velho galeão chegando à praia. Lembrava muito o navio do sonho. Não costumava comprar quadros; viu aquele ao passar em frente à um antiquário, achou notável a semelhança com o "seu" navio, e comprou-o. Aquilo lhe despertava um sentimento estranho. Algo parecido com saudade.

- Sonhando acordado de novo, comandante?

A voz alta e zombeteira do diretor financeiro arrancou-o de volta à realidade.

- Artur? Não vi você entrar. Eu estava... só pensando.

- Bom, então pense nisto aqui. Passei pelo escritório do Miguel e ele me pediu que lhe entregasse. Um relatório sobre o desempenho dos diretores, e é extremamente favorável a você!

"Como se fizesse diferença", disse Daniel consigo mesmo. A rotina de metas a vencer já não o contentava, pois o desejo de partir com aquele navio aumentava a cada dia. Esse, porém, era um desejo impossível, e saber disso deixava-o ainda mais abatido.

O sonho continuava a repetir-se, noite após noite, sempre igual. Houve uma ocasião, porém, em que algo mudou. Quando o navio parou próximo à praia, Daniel conseguiu caminhar alguns passos para dentro da água. E a paisagem não se desfez. Andou um pouco mais, a água chegou-lhe até a cintura. Tudo continuava nítido. "Talvez eu possa chegar até ele, afinal", pensou.

Isso, contudo, logo deu lugar a uma dúvida. Ainda que chegasse ao navio, que finalmente o alcançasse - não iria acordar, de qualquer forma? De que adiantava chegar, para retornar depois à mesma vida de sempre?

Essa dúvida bastou para pôr tudo a perder. Pouco depois, só o que havia eram as paredes nuas de seu quarto.

Nesse mesmo dia, Miguel, o presidente da empresa, chamou-o para uma entrevista. Daniel fazia uma certa idéia do que iria ouvir.

- Você tem superado as expectativas, rapaz. Os resultados que vem obtendo têm impressionado muito os investidores.

- Fico feliz por isso, senhor.

- Vai ficar ainda mais com o que tenho a lhe dizer. Vamos abrir uma filial em outro estado, e precisamos de alguém com capacidade para administrá-la. Alguém capaz de tomar as decisões certas, que tenha iniciativa. Você foi minha primeira escolha...

O resto do que foi dito, ele ouviu com um interesse apenas simulado. Seu espírito estava longe, numa praia distante. Ao fim da conversa, agradeceu e foi para sua sala. Por minutos seguidos ficou observando a pintura. O velho galeão, mais vívido do que nunca.

Mais tarde, na noite daquele dia, Daniel sonhou novamente. Nesse sonho, toda a insatisfação que procurara ignorar durante anos veio à tona de uma vez, exigindo uma atitude. E quando uma vez mais o navio veio do horizonte, ele abandonou suas dúvidas, correu rumo às águas e começou a nadar, como se nada mais importasse.

Nos dias seguintes, todos na empresa falavam sobre o jovem diretor que desaparecera sem avisar nada a ninguém. Alguns contavam até os detalhes de um imaginário seqüestro, maquinação de algum concorrente. No entanto, ninguém percebeu a mudança na sala vazia de Daniel. No quadro que lá ficara via-se agora uma praia e suas águas - mas nenhum navio.